O Espaço de diálogo sobre o Ensino Médio Público

sábado, 10 de setembro de 2016

A PROPOSTA DE MATRIZ CURRICULAR DA SEDUC PARA O ENSINO MÉDIO: projeto de racionalização financeira e de formação de personalidades produtivas /

Sintetizamos alguns argumentos que recomendam a não aprovação da proposta de Matrizes Curriculares para o ano de 2016, encaminhada pela SEDUC – Secretaria de Estado de Educação do Pará – ao Conselho Estadual de Educação
, por meio do ofício n. 225/2016, datado de 16 de fevereiro de 2016, com entrada no Conselho em 17/03/2016, tendo recebido o número 2016/59895 no protocolo. [1]/[2]

A proposta apresentada pela SEDUC deve ser entendida não apenas como uma proposta de conteúdo técnico, que visa racionalizar o ensino médio paraense. Trata-se, pois, de uma proposta com conteúdo político conservador, que visa, de um lado, diminuir os gastos (já pequenos) do Estado do Pará com a educação básica e, de outro lado, reforçar uma lógica mercantil introduzida na educação paraense, a qual visa minimizar o conceito de educação básica e promover um tipo específico de ser humano ajustado às novas características do mercado de trabalho, que requereria o que a UNESCO denomina de “personalidade produtiva”.
A proposta não pode ser entendida, portanto, como um projeto técnico e fora do contexto político nacional, em que forças conservadoras procuram desobrigar o Estado Brasileiro com a educação básica formadora de personalidades autônomas e imputar, à mesma, um conteúdo aparentemente estéril, mas ideologicamente ajustado ao status quo.
Compreendemos o ensino médio como objeto em torno do qual se materializa a luta de classes no Brasil. Sobre ele são elaboradas várias leituras e para ele são propostas diferentes finalidades e estratégias de organização que poderiam levá-lo a diferentes dinâmicas de funcionamento. Nesse contexto de luta de classes o Ensino Médio é situado e em torno dele prevalecem disputas de dois projetos principais de ensino, a partir dos quais diversos outros são construídos.
Esses dois projetos distintos de educação podem ser identificados como: pragmático, que busca subordinar a educação aos interesses imediatos da realidade dada e que, baseado no princípio da equidade, pressupõe a existências de várias possibilidades e de percursos de ensino adequados aos diferentes grupos sociais e possibilidades econômicas dos sujeitos; e como outro tipo de projeto, que toma o ensino médio como direito baseado no princípio da igualdade, e que o entende como etapa de conclusão da educação básica, que tem como finalidade promover a autonomia dos sujeitos e que, mesmo considerando a possibilidades de diferentes itinerários escolares em função das peculiaridades regionais e étnico-raciais, não abre mão do acesso de todos aos saberes e competências necessários à formação ampla dos cidadãos.
1.            A PROPOSTA DE REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA NÃO APRESENTA SUSTENTAÇÃO PEDAGÓGICA E CONTÉM UM CONTEÚDO CONSERVADOR
Na prática, o que a proposta apresenta é uma redução de carga horária e uma definição de lista de disciplinas, retomando uma concepção pedagogicamente superada de currículo enquanto grade de disciplinas.
Para o turno diurno, propõe uma redução de 840 horas, passando de 4.360 horas para 3.520 horas. Para o turno noturno, propõe uma redução de 120 horas, passando de 3.720 horas para 3.600 horas, sendo 200 dessas horas a serem trabalhadas com atividades extraclasse.
As disciplinas com maiores perdas de carga horária são História, Geografia, Biologia, Química, Física e as disciplinas de línguas estrangeiras, enquanto a carga horária total das disciplinas Língua Portuguesa e Matemática cresce substantivamente, de 440 para 760 horas e de 440 para 600 horas, respectivamente, no turno diurno.
O que se procura, com isso, é organizar o ensino médio de modo a atender a três finalidades: 1) reforçar as competências básicas de letramento e numerização; 2) atender às prioridades do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio; e 3) diminuir os custos com o pagamento dos professores. Afinal, qual o significado disso? A proposta da SEDUC pressupõe a leitura de que o ensino médio (público principalmente) deve, prioritariamente, desenvolver as chamadas competências genéricas essenciais, o letramento e a numerização, como sustenta a UNESCO – Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura[3]. Para isso, procura ampliar a carga horária de Língua Portuguesa e Matemática. Para esse organismo internacional, tal currículo seria necessário, a fim de “conferir aos jovens a capacidade de desenvolver personalidades produtivas” necessárias “para a vida e o trabalho na atual sociedade”.
Tal projeto abandona a utopia de uma escola capaz de formar pessoas desenvolvidas em suas amplas capacidades, capazes de produzir, de criticar e de viver em comunidade, de forma fraternal e solidariamente.
Sob essa lógica, as outras disciplinas escolares, bem como as artes e os desportos, se constituiriam como “supérfluos educacionais”, que poderiam ser adquiridos, se necessário, por quem pudesse pagar, uma vez que esse mesmo documento da UNESCO considera que apenas o desenvolvimento das competências essenciais “encontra-se conceitualmente dentro do conceito de educação básica”, “compulsória e financiada pelo Estado”.
Abre-se mão, como se observa, da utopia da “educação inteira”, da finalidade atribuída ao ensino médio – última etapa da Educação Básica –, de construção da cidadania, a partir do que se tornaria necessário “oferecer aos nossos jovens novas perspectivas culturais para que possam expandir seus horizontes e dotá-los de autonomia intelectual, assegurando-lhes o acesso ao conhecimento historicamente acumulado e à produção coletiva de novos conhecimentos, sem perder de vista que a educação também é, em grande medida, uma chave para o exercício dos demais direitos sociais.” (DCNEM).
Para os estudantes do turno noturno, o projeto da SEDUC ainda propõe que 200 horas da carga horária anual sejam ofertadas por meio de atividades extraclasse, “como forma de atender à carga horária mínima determinada pela legislação nacional”. Entretanto, não é feito qualquer esclarecimento e nem é dada nenhuma orientação para o desenvolvimento destas atividades, o que nos permite inferir que trata-se de mais um mero formalismo da proposta, com o fito de contornar a legislação, precarizando ainda mais o ensino noturno.
O conteúdo da proposta da SEDUC, portanto, é conservador, pois procura reduzir o conceito de educação básica e promover um tipo de educação instrumental, reduzindo também os seus gastos.
É fundamental que, para a definição de tema tão relevante, a sociedade seja ouvida, pois cabe a ela, e não à SEDUC, definir as finalidades da educação básica paraense e o tipo humano que se quer formar nas escolas públicas paraenses.
2.            A PROPOSTA APRESENTADA NÃO TEM BASE CIENTÍFICA, EMPÍRICA OU METODOLÓGICA, IGNORA A PRECARIEDADE DA CONDIÇÃO DE OFERTA DO ENSINO MÉDIO E APRESENTA A TESE DE “QUANTO MENOS ENSINO, MELHOR A QUALIDADE”
A proposta apresentada pela SEDUC não é acompanhada de um diagnóstico que a sustente, no qual se identifiquem os problemas da matriz curricular anterior, bem como os argumentos que indiquem a possibilidade de a proposta em tela ter possibilidade de bons êxitos pedagógicos. Do mesmo modo, não apresenta nenhum dado empírico e nenhuma teoria[4] pedagógica ou de qualquer outra natureza que a sustente.
Após muita pressão de professores e estudantes e de recomendação do Ministério Público, a SEDUC apresentou como justificativa o argumento único de que o sucessivo aumento de cargas horárias das matrizes curriculares adotadas nos últimos anos não resultou em melhoria na aprendizagem dos alunos, cujo desempenho nas avaliações nacionais declinou sensivelmente nos últimos anos, ancorando-se no quadro o abaixo demonstrado:
IDEB de 2009 = 3,00 – alunos egressos de Matriz Curricular com CH total de 3.760
IDEB de 2011 = 2,80 – alunos egressos de Matriz Curricular com CH total de 3.920
IDEB de 2013 = 2,70 – alunos egressos de Matriz Curricular com CH total de 4.360

No documento, a SEDUC sustenta que, na educação, não prevalece “o quanto mais, melhor”, e que existem “limites para a capacidade de aprendizagem dos alunos por turno”, citando alguns estados brasileiros em que a carga horária é menor e que, por sua vez, possuem um IDEB maior. Por oposição, a sua lógica, portanto, é de “quanto menos ensino, melhor será a qualidade da educação”, ou seja, faz uma clara, assombrosa e refutável defesa do aligeiramento da escolarização, principalmente dos alunos trabalhadores do turno noturno.
Esse tipo de “análise”, superficial e maniqueísta, que não tem qualquer base teórica, empírica ou metodológica que a sustente, omite outras variáveis muito mais importantes na determinação da qualidade da educação básica, tais como o custo-aluno, a gestão, as condições de oferta e a valorização dos profissionais da educação, ignora propositadamente o sucateamento das escolas públicas, a precariedade dos diferentes espaços pedagógicos, a irregularidade da oferta da merenda escolar e do transporte escolar, a falta de democracia nas escolas e a escassez de material pedagógico. Tal situação de precariedade é atestada no Relatório de Auditoria Operacional do TCE[5], datado de novembro de 2013, no qual se registram as “deficiências no processo de elaboração, revisão e implementação do Projeto Político Pedagógico (PPP), deficiência no apoio, acompanhamento e avaliação do desempenho das escolas e de seus gestores por parte da SEDUC/URE/USE e, ainda, baixa participação social na gestão da escola.
De modo pontual, o relatório do TCE traça o quadro da educação regional, levantando alguns dados de realidade em que se verifica:
a.            Que 40% dos gestores das escolas têm dificuldades de elaboração do PPP, em função da falta de diretrizes ou orientações por parte da Secretaria de Educação;
b.            A “ausência de recursos materiais e humanos disponibilizados pela SEDUC/UREs para a educação inclusiva”;
c.            A “ausência de materiais para trabalhar no laboratório de informática e ciências”;
d.            O “acúmulo de funções do coordenador pedagógico, por falta de servidores para atuarem na área administrativa”;
e.            “Instalações elétricas antigas e ultrapassadas”;
f.             “Insuficiência de pessoal de apoio/administrativo”;
g.            Que “32% das escolas visitadas não tem vice-diretor”;
h.           Que “52% das escolas apresenta parede com infiltração”;
i.             Que “81% das salas de aula possui conforto acústico ruim e 67% possui conforto térmico ruim”;
j.              Que “50% dos alunos classificou a ventilação como péssima”;
k.            Que apenas 68% das escolas possui iluminação externa, estando 43% destas em estado ruim;
l.             “Que 96% das escolas não possui carta de habite-se; 93% não possui alvará sanitário e 93% não tem alvará do corpo de bombeiros”;
m.          Que “82% das escolas não possui extintores; 89% não possui hidrante com mangueira; 100% não possui nem detector de fumaça nem sinalização de emergência; 89% não possui luz de emergência”; e
n.           Que 82% das escolas não possui rede de esgoto, coleta ou tratamento. ”Quase todas as escolas visitadas apresentaram esgoto a céu aberto e muitas unidades escolares apresentaram alagamento ocasionado pelas chuvas”.

Tais dados são reveladores da incapacidade de a SEDUC assegurar as condições mínimas de oferta de educação básica de qualidade. Por isso, ignora as variáveis que podem explicar os péssimos indicadores educacionais do Estado do Pará e se “apega” a uma tese inconsistente e esdrúxula de “quanto menos aula, maior a qualidade do ensino”.
Ainda sobre isso, deve-se considerar que é conhecida, na história política brasileira recente, a estratégia de desqualificação do serviço público para a sua posterior privatização. Neste caso, não é indevido pensar que a atual precarização da escola básica possa se articular ao seu processo de privatização.
3.            A PROPOSTA É FRUTO DE UMA POSTURA ANTIDEMOCRÁTICA E REVELA A FALTA DE DISPOSIÇÃO DOS GESTORES DA SEDUC PARA O DIÁLOGO COM A COMUNIDADE ESCOLAR E A SOCIEDADE PARAENSE.
A proposta apresentada pela SEDUC, colocada para votação apressadamente pelo Conselho Estadual de Educação (sustada por “recomendação do Ministério Público”), não foi precedida de um debate amplo acerca de seu conteúdo e de suas consequências. As entidades de professores e estudantes tomaram conhecimento da proposta apenas uma semana antes de ser colocado em pauta para votação no CEE. Dada a sua importância e a sua repercussão sobre a formação da juventude paraense, qualquer documento de reformulação curricular deve ser precedido de um amplo debate, por meio de audiências públicas e eventos abertos à sociedade civil.
O Ministério Público do Estado do Pará, reconhecendo a falta de debate da proposta, recomendou ao CEE que realize “audiências públicas regionalizadas, convocadas nos termos do Art. 11, inc. XIV, do Regimento Interno do CEE, Decreto de 05 de fevereiro de 2010, em pelo menos 6 (seis) sedes de URE, distribuídas no território do Estado, além de uma audiência pública conclusiva na Capital do Estado, com ampla divulgação para a participação dos interessados, a fim de garantir a escuta e participação popular na proposta de alteração apresentada pela SEDUC”.
A Secretaria de Educação realizou algumas rodas de conversa, mas estas não traduzem a intenção de democratizar o debate, já que foram marcadas pelo debate restrito, com participação controlada e conduzidas a partir de seus interesses.
Quanto a isso, considere-se, ainda, que rodas de conversa não têm a mesma finalidade e possibilidades de uma audiência pública. As rodas de conversas constituem-se como uma estratégia pedagógica de diálogo acadêmico, estando sob o controle de quem a organiza. Por outro lado, uma audiência pública é instrumento jurídico definido.
“A Audiência Pública é um instrumento de participação popular, garantido pela Constituição Federal de 1988 e regulado por Leis Federais, constituições estaduais e leis orgânicas municipais. É um espaço onde os poderes Executivo e Legislativo ou o Ministério Público podem expor um tema e debater com a população sobre a formulação de uma política pública, a elaboração de um projeto de Lei ou a realização de empreendimentos que podem gerar impactos à cidade, à vida das pessoas e ao meio ambiente.”[6]
Mesmo nessas conversas prevaleceu a recusa à proposta de matriz curricular apresentada pela SEDUC. Como conta em registro do SINTEPP, “em todas essas reuniões, professores, estudantes, pais e responsáveis por alunos, de forma indignada, se posicionaram contrários à proposta de matriz curricular 2016, apresentada pela SEDUC”[7].
Por fim, se houver algum interesse da SEDUC em resgatar a democracia, é necessário que se garanta o envolvimento da sociedade civil, inclusive das organizações de professores e de estudantes e das universidades formadoras de profissionais da educação no debate sobre essa questão, que interessa a toda a sociedade paraense.
4.            NA PROPOSTA DA PARTE DIVERSIFICADA DO CURRÍCULO A SEDUC DESRESPEITA A LEGISLAÇÃO NACIONAL
A proposta da SEDUC também desconsidera o “espírito da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, no tocante à parte diversificada do currículo do ensino médio e fere a autonomia das escolas, quando prescreve a oferta dos mesmos componentes obrigatórios da base nacional comum (Língua Portuguesa e Matemática). Desvirtua, portanto, o significado da parte diversificada do currículo, definida no artigo 26 da LDB e explicitada, teoricamente, nas DCN da Educação Básica. Esta, em seu artigo 15, define que a “parte diversificada enriquece e complementa a base nacional comum, prevendo o estudo das características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da comunidade escolar, perpassando todos os tempos e espaços curriculares constituintes do ensino fundamental e médio, independente do ciclo de vida no qual os sujeitos tenham acesso à escola” (grifos nossos).
Para atingir os seus intentos, portanto, a SEDUC desconsidera as intencionalidades da Lei e a autonomia das escolas, em nome da necessidade de desenvolvimento das chamadas “competências essenciais”.
5.            CONTEXTO DA PROPOSTA
A proposta apresentada pela SEDUC deve ser entendida, ainda, em função do contexto em que ele foi gestada, numa conjuntura estadual marcada pelo corte de verbas para as políticas sociais e de desrespeito aos movimentos sociais organizados, em particular aos sindicatos.
Marca, também, essa conjuntura, um conjunto de iniciativas que visam promover a privatização da educação básica, visualizável nas seguintes ações:
a.            Na contratação do Instituto Unibanco, para fazer o “assessoramento” e a gestão do ensino médio estadual por meio do Programa Jovens de Futuro;
b.            Na contratação da Fundação Itaú, para fazer o “assessoramento” ao ensino fundamental;
c.            Na contratação da Fundação Roberto Marinho, para assessorar e executar a educação de adultos por meio do Projeto Mundiar, que introduziu as teleaulas em substituição à EJA e à unidocência;
d.            Na contração do Instituto ABCD, que tem assumido a execução das ações de formação continuada dos profissionais da educação;
e.            Na contratação de empresa que deve gerenciar 50 escolas de Ensino Médio;
f.             Na proposta de substituição do SOME pelo Projeto Mundiar;
g.            Na contratação de cursinhos particulares preparatórios ao ENEM, e;
h.           Na contratação de cursinho de Inglês, com custo de R$1.800,00/aluno, para a oferta de aulas de língua inglesa.

Esta conjuntura permite entender as intencionalidades da SEDUC: reduzir custos, aligeirar a formação escolar e promover as chamadas “personalidades produtivas”.
O que está em jogo, portanto, considerando o contexto de disputa de dois projetos de ensino médio no Brasil, é uma proposta coerente com o projeto de privatização da educação básica.
Considerações finais
Para finalizar, consideramos que, ainda que possa ser considerada legal, a proposta da SEDUC fere o espírito da legislação educacional brasileira, oculta as suas finalidades de diminuição de gastos, bem como o seu conteúdo conservador e a possibilidade de efeitos nocivos aos jovens paraenses.
Com essa proposta, a SEDUC retrocede ao currículo como rol de disciplinas, negando a diversidade e ignorando outras diversas formas de ofertas de Ensino Médio do Estado, tais como o SOME, a EJA e o convênio.
A falta de argumentos ou de dados que sustentem a proposta é patente, tendo sido demonstrado, inclusive, pelo Ministério Público do Estado do Pará, que em sua Recomendação n. 022016, dirigida ao CEE, atestou que “não foi demonstrado e muito menos constatado que tal modificação trará benefício à qualidade do ensino médio”. Então, o que pode explicar essa medida? A tentativa de racionalização financeira que visa diminuir os gastos com a educação, mas que, para isso, tende a desqualificar ainda mais o ensino médio e a precarizar a formação dos jovens paraenses, distanciando-os da cidadania plena.
A proposta em tela, de redução de carga horária das escolas públicas estaduais, também tende a diminuir as possibilidades de disputa igual, no ENEM, dos jovens matriculados nessas escolas, em comparação com os estudantes da rede privada, que têm a sua carga horária ampliada, quando organizada para este fim.
O documento também não se articula e nem considera as discussão em curso sobre a BNCC – Base Nacional Comum Curricular, o que constitui, no mínimo, uma imprudência, uma vez que a previsão é de que a nova BNCC seja aprovada no corrente ano, o que exigirá novos estudos e modificações de ajustamento na organização curricular de toda a educação básica paraense, remendando o que deveria ser novo.
Mudanças são necessárias na organização da educação básica paraense, o quadro de precariedade da educação paraense é notório e revelado em diferentes indicadores educacionais. É necessário repensar o tempo e o espaço escolar bem como o currículo de toda a educação básica e, em particular, do ensino médio, mas a partir do reconhecimento da educação básica como direito subjetivo e não a partir da racionalidade financeira.
A reformulação da educação deve acontecer tendo a participação protagonista dos principais sujeitos da escola – estudantes e profissionais da educação, bem como da sociedade civil e de outros órgãos do Estado. O que está em curso reproduz o modo como foi feito o Plano Estadual de Educação, aprovado de modo aligeirado, sem um efetivo debate.
Essa proposta de redução é um contrassenso às conquistas que o movimento social dos educadores progressistas tem conseguido desde a década de 1990, quando a perspectiva de educação integral entrou definitivamente na pauta das políticas educacionais brasileiras dirigidas à escola básica, não só por meio da defesa da ampliação do tempo de permanência dos alunos nas escolas, mas também pautando o ensino médio integrado (como forma e conteúdo), o currículo integral e as práticas interdisciplinares.
A qualificação da educação básica paraense e, em particular, do ensino médio, requer o enfrentamento de vários desafios, entre eles está colocada a necessidade de se pensar o currículo não como grade, mas como conjunto de experiências e relações de formação escolar, que precisa ser qualificado para produzir relações pedagógicas que promovam cidadãos plenos.
Assim, é necessário, também, assegurar a ampliação, o enriquecimento e a qualificação do tempo de permanência dos jovens na escola, ao invés de reduzi-lo e precarizá-lo.
Por fim, é fundamental valorizar os profissionais da educação e ouvir os protagonistas da educação básica paraense, ou seja, professores e alunos. Há que se superar a visão equivocada que toma estes sujeitos e suas organizações como parte dos problemas da educação pública. Professores e alunos precisam ser reconhecidos como parte da solução. Felizmente, é importante repetir, não há saídas para a educação pública sem o envolvimento destes.
Para finalizar, em tempos de governo golpista e de ameaça da perda de direitos, é importante toda ação coletiva que reafirme o compromisso com a garantia dos direitos conquistados e com a maximização e a qualificação da escolarização, e não a sua minimização.



[1] Texto elaborado para apresentação no Seminário sobre BNCC e Matriz Curricular do Ensino Médio, organizado pelo SINTEPP – Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará, em 30/06/2016.
[2] Agradeço a leitura e as contribuições de meus alunos do mestrado do Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica, da Disciplina Políticas e Práticas em Ensino Médio e Educação Profissional, 1º semestre de 2016: Aliny Cristina Silva Alves, Élido Santiago da Silva, Kariny de Cássia Ramos da Silva, Luziane Said Cometti Lelis, Raimundo Barbosa da Silva Filho, Roseane Sousa Oliveira e Claudia Regina Bezerra Ferreira.
[3] UNESCO. Reforma da educação Secundária: Rumo à convergência entre a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidade. Brasília: Unesco, 2008. In: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001424/142463por.pdf
[4] A proposta apresenta como subsídio um anexo intitulado “Princípios Orientadores”, no qual constam referências confusas, incoerentes entre si e com vários trechos plagiados, o que revela a pressa e o despreparo na sua confecção, além de se constituir em péssimo exemplo para os alunos da escola básica.
[6] Polis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais. in: http://www.polis.org.br/uploads/1042/1042.pdf.
[7] SINTEPP. Relatório Sobre Rodas de Conversa da Matriz Curricular. 2016.

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