Sintetizamos alguns argumentos
que recomendam a não aprovação da proposta de Matrizes Curriculares para o ano
de 2016, encaminhada pela SEDUC – Secretaria de Estado de Educação do Pará – ao
Conselho Estadual de Educação
, por meio do ofício n. 225/2016, datado de 16 de
fevereiro de 2016, com entrada no Conselho em 17/03/2016, tendo recebido o
número 2016/59895 no protocolo. [1]/[2]
A proposta apresentada pela SEDUC deve ser
entendida não apenas como uma proposta de conteúdo técnico, que visa
racionalizar o ensino médio paraense. Trata-se, pois, de uma proposta com
conteúdo político conservador, que visa, de um lado, diminuir os gastos (já
pequenos) do Estado do Pará com a educação básica e, de outro lado, reforçar
uma lógica mercantil introduzida na educação paraense, a qual visa minimizar o
conceito de educação básica e promover um tipo específico de ser humano
ajustado às novas características do mercado de trabalho, que requereria o que
a UNESCO denomina de “personalidade produtiva”.
A proposta não pode ser entendida,
portanto, como um projeto técnico e fora do contexto político nacional, em que
forças conservadoras procuram desobrigar o Estado Brasileiro com a educação
básica formadora de personalidades autônomas e imputar, à mesma, um conteúdo
aparentemente estéril, mas ideologicamente ajustado ao status quo.
Compreendemos o ensino médio como objeto em torno do qual
se materializa a luta de classes no Brasil. Sobre ele são elaboradas várias
leituras e para ele são propostas diferentes finalidades e estratégias de
organização que poderiam levá-lo a diferentes dinâmicas de funcionamento. Nesse
contexto de luta de classes o Ensino Médio é situado e em torno dele prevalecem
disputas de dois projetos principais de ensino, a partir dos quais diversos
outros são construídos.
Esses dois projetos distintos de educação podem ser
identificados como: pragmático, que
busca subordinar a educação aos interesses imediatos da realidade dada e que,
baseado no princípio da equidade,
pressupõe a existências de várias possibilidades e de percursos de ensino
adequados aos diferentes grupos sociais e possibilidades econômicas dos
sujeitos; e como outro tipo de projeto, que toma o ensino médio como direito baseado no princípio da igualdade, e que o entende como etapa
de conclusão da educação básica, que tem como finalidade promover a autonomia
dos sujeitos e que, mesmo considerando a possibilidades de diferentes
itinerários escolares em função das peculiaridades regionais e étnico-raciais,
não abre mão do acesso de todos aos saberes e competências necessários à
formação ampla dos cidadãos.
1.
A
PROPOSTA DE REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA NÃO APRESENTA SUSTENTAÇÃO PEDAGÓGICA E CONTÉM
UM CONTEÚDO CONSERVADOR
Na prática, o que a proposta apresenta é
uma redução de carga horária e uma definição de lista de disciplinas, retomando
uma concepção pedagogicamente superada de currículo enquanto grade de
disciplinas.
Para o turno diurno, propõe uma redução de 840 horas, passando de 4.360
horas para 3.520 horas. Para o turno noturno, propõe uma redução de 120 horas, passando de 3.720 horas para 3.600 horas,
sendo 200 dessas horas a serem trabalhadas com atividades extraclasse.
As disciplinas com maiores perdas de carga
horária são História, Geografia, Biologia, Química, Física e as disciplinas de
línguas estrangeiras, enquanto a carga horária total das disciplinas Língua
Portuguesa e Matemática cresce substantivamente, de 440 para 760 horas e de 440
para 600 horas, respectivamente, no turno diurno.
O que se procura, com isso, é organizar o
ensino médio de modo a atender a três finalidades: 1) reforçar as competências
básicas de letramento e numerização; 2) atender às prioridades do ENEM – Exame
Nacional do Ensino Médio; e 3) diminuir os custos com o pagamento dos
professores. Afinal, qual o significado disso? A proposta da SEDUC pressupõe a
leitura de que o ensino médio (público principalmente) deve, prioritariamente,
desenvolver as chamadas competências genéricas essenciais, o letramento e a
numerização, como sustenta a UNESCO – Organização das Nações Unidas Para a
Educação, a Ciência e a Cultura[3]. Para isso, procura
ampliar a carga horária de Língua Portuguesa e Matemática. Para esse organismo
internacional, tal currículo seria necessário, a fim de “conferir aos jovens a
capacidade de desenvolver personalidades produtivas” necessárias “para a vida e
o trabalho na atual sociedade”.
Tal projeto abandona a utopia de uma
escola capaz de formar pessoas desenvolvidas em suas amplas capacidades,
capazes de produzir, de criticar e de viver em comunidade, de forma fraternal e
solidariamente.
Sob essa lógica, as outras disciplinas
escolares, bem como as artes e os desportos, se constituiriam como “supérfluos
educacionais”, que poderiam ser adquiridos, se necessário, por quem pudesse
pagar, uma vez que esse mesmo documento da UNESCO considera que apenas o desenvolvimento
das competências essenciais “encontra-se conceitualmente dentro do conceito de
educação básica”, “compulsória e financiada pelo Estado”.
Abre-se mão, como se observa, da utopia da
“educação inteira”, da finalidade atribuída ao ensino médio – última etapa da
Educação Básica –, de construção da cidadania, a partir do que se
tornaria necessário “oferecer aos nossos jovens novas perspectivas culturais
para que possam expandir seus horizontes e dotá-los de autonomia intelectual,
assegurando-lhes o acesso ao conhecimento historicamente acumulado e à produção
coletiva de novos conhecimentos, sem perder de vista que a educação também
é, em grande medida, uma chave para o exercício dos demais direitos sociais.”
(DCNEM).
Para os estudantes do turno noturno, o
projeto da SEDUC ainda propõe que 200 horas da carga horária anual sejam
ofertadas por meio de atividades extraclasse,
“como forma de atender à carga horária mínima determinada pela legislação
nacional”. Entretanto, não é feito qualquer esclarecimento e nem é dada
nenhuma orientação para o desenvolvimento destas atividades, o que nos permite inferir
que trata-se de mais um mero formalismo da proposta, com o fito de contornar a
legislação, precarizando ainda mais o ensino noturno.
O conteúdo da proposta da SEDUC, portanto,
é conservador, pois procura reduzir o conceito de educação básica e promover um
tipo de educação instrumental, reduzindo também os seus gastos.
É fundamental que, para a definição de
tema tão relevante, a sociedade seja ouvida, pois cabe a ela, e não à SEDUC,
definir as finalidades da educação básica paraense e o tipo humano que se quer
formar nas escolas públicas paraenses.
2.
A
PROPOSTA APRESENTADA NÃO TEM BASE CIENTÍFICA, EMPÍRICA OU METODOLÓGICA, IGNORA
A PRECARIEDADE DA CONDIÇÃO DE OFERTA DO ENSINO MÉDIO E APRESENTA A TESE DE
“QUANTO MENOS ENSINO, MELHOR A QUALIDADE”
A proposta apresentada pela SEDUC não é
acompanhada de um diagnóstico que a sustente, no qual se identifiquem os
problemas da matriz curricular anterior, bem como os argumentos que indiquem a
possibilidade de a proposta em tela ter possibilidade de bons êxitos
pedagógicos. Do mesmo modo, não apresenta nenhum dado empírico e nenhuma teoria[4] pedagógica ou de qualquer
outra natureza que a sustente.
Após muita pressão de professores e
estudantes e de recomendação do Ministério Público, a SEDUC apresentou como
justificativa o argumento único de que o sucessivo aumento de cargas horárias
das matrizes curriculares adotadas nos últimos anos não resultou em melhoria na
aprendizagem dos alunos, cujo desempenho nas avaliações nacionais declinou
sensivelmente nos últimos anos, ancorando-se no quadro o abaixo demonstrado:
IDEB
de 2009 = 3,00 – alunos egressos de Matriz Curricular com CH total de 3.760
|
IDEB de 2011 = 2,80 – alunos egressos de Matriz
Curricular com CH total de 3.920
|
IDEB de 2013 = 2,70 – alunos egressos de Matriz
Curricular com CH total de 4.360
|
No documento, a SEDUC sustenta que, na educação,
não prevalece “o quanto mais, melhor”, e que existem “limites para a capacidade
de aprendizagem dos alunos por turno”, citando alguns estados brasileiros em
que a carga horária é menor e que, por sua vez, possuem um IDEB maior. Por
oposição, a sua lógica, portanto, é de “quanto
menos ensino, melhor será a qualidade da educação”, ou seja, faz uma clara,
assombrosa e refutável defesa do aligeiramento da escolarização, principalmente
dos alunos trabalhadores do turno noturno.
Esse tipo de “análise”, superficial e
maniqueísta, que não tem qualquer base teórica, empírica ou metodológica que a
sustente, omite outras variáveis muito mais importantes na determinação da
qualidade da educação básica, tais como o custo-aluno, a gestão, as condições
de oferta e a valorização dos profissionais da educação, ignora
propositadamente o sucateamento das escolas públicas, a precariedade dos
diferentes espaços pedagógicos, a irregularidade da oferta da merenda escolar e
do transporte escolar, a falta de democracia nas
escolas e a escassez de material pedagógico. Tal situação de precariedade é
atestada no Relatório de Auditoria Operacional do TCE[5], datado
de novembro de 2013, no qual se registram as “deficiências no processo de
elaboração, revisão e implementação do Projeto Político Pedagógico (PPP),
deficiência no apoio, acompanhamento e avaliação do desempenho das escolas e de
seus gestores por parte da SEDUC/URE/USE e, ainda, baixa participação social na
gestão da escola.
De modo pontual, o relatório do TCE traça
o quadro da educação regional, levantando alguns dados de realidade em que se
verifica:
a.
Que 40% dos gestores das escolas têm
dificuldades de elaboração do PPP, em função da falta de diretrizes ou
orientações por parte da Secretaria de Educação;
b.
A “ausência de recursos materiais e humanos
disponibilizados pela SEDUC/UREs para a educação inclusiva”;
c.
A “ausência de materiais para trabalhar no
laboratório de informática e ciências”;
d.
O “acúmulo de funções do coordenador pedagógico,
por falta de servidores para atuarem na área administrativa”;
e.
“Instalações elétricas antigas e ultrapassadas”;
f.
“Insuficiência de pessoal de
apoio/administrativo”;
g.
Que “32% das escolas visitadas não tem
vice-diretor”;
h.
Que “52% das escolas apresenta parede com
infiltração”;
i.
Que “81% das salas de aula possui conforto
acústico ruim e 67% possui conforto térmico ruim”;
j.
Que “50% dos alunos classificou a ventilação
como péssima”;
k.
Que apenas 68% das escolas possui iluminação
externa, estando 43% destas em estado ruim;
l.
“Que 96% das escolas não possui carta de
habite-se; 93% não possui alvará sanitário e 93% não tem alvará do corpo de
bombeiros”;
m.
Que “82% das escolas não possui extintores; 89%
não possui hidrante com mangueira; 100% não possui nem detector de fumaça nem
sinalização de emergência; 89% não possui luz de emergência”; e
n.
Que 82% das escolas não possui rede de esgoto,
coleta ou tratamento. ”Quase todas as escolas visitadas apresentaram esgoto a
céu aberto e muitas unidades escolares apresentaram alagamento ocasionado pelas
chuvas”.
Tais dados são reveladores da incapacidade
de a SEDUC assegurar as condições mínimas de oferta de educação básica de
qualidade. Por isso, ignora as variáveis que podem explicar os péssimos
indicadores educacionais do Estado do Pará e se “apega” a uma tese
inconsistente e esdrúxula de “quanto menos aula, maior a qualidade do ensino”.
Ainda sobre isso, deve-se considerar que é
conhecida, na história política brasileira recente, a estratégia de
desqualificação do serviço público para a sua posterior privatização. Neste
caso, não é indevido pensar que a atual precarização da escola básica possa se
articular ao seu processo de privatização.
3.
A
PROPOSTA É FRUTO DE UMA POSTURA ANTIDEMOCRÁTICA E REVELA A FALTA DE DISPOSIÇÃO
DOS GESTORES DA SEDUC PARA O DIÁLOGO COM A COMUNIDADE ESCOLAR E A SOCIEDADE
PARAENSE.
A proposta apresentada pela SEDUC,
colocada para votação apressadamente pelo Conselho Estadual de Educação
(sustada por “recomendação do Ministério Público”), não foi precedida de um
debate amplo acerca de seu conteúdo e de suas consequências. As entidades de
professores e estudantes tomaram conhecimento da proposta apenas uma semana
antes de ser colocado em pauta para votação no CEE. Dada a sua importância e a sua
repercussão sobre a formação da juventude paraense, qualquer documento de
reformulação curricular deve ser precedido de um amplo debate, por meio de
audiências públicas e eventos abertos à sociedade civil.
O Ministério Público do Estado do Pará,
reconhecendo a falta de debate da proposta, recomendou ao CEE que realize
“audiências públicas regionalizadas, convocadas nos termos do Art. 11, inc.
XIV, do Regimento Interno do CEE, Decreto de 05 de fevereiro de 2010, em pelo
menos 6 (seis) sedes de URE, distribuídas no território do Estado, além de uma
audiência pública conclusiva na Capital do Estado, com ampla divulgação para a
participação dos interessados, a fim de garantir a escuta e participação
popular na proposta de alteração apresentada pela SEDUC”.
A Secretaria de Educação realizou algumas
rodas de conversa, mas estas não traduzem a intenção de democratizar o debate,
já que foram marcadas pelo debate restrito, com participação controlada e
conduzidas a partir de seus interesses.
Quanto a isso, considere-se, ainda, que rodas
de conversa não têm a mesma finalidade e possibilidades de uma audiência
pública. As rodas de conversas constituem-se como uma estratégia pedagógica de
diálogo acadêmico, estando sob o controle de quem a organiza. Por outro lado,
uma audiência pública é instrumento jurídico definido.
“A Audiência Pública é um instrumento de participação
popular, garantido pela Constituição Federal de 1988 e regulado por Leis
Federais, constituições estaduais e leis orgânicas municipais. É um espaço onde
os poderes Executivo e Legislativo ou o Ministério Público podem expor um tema
e debater com a população sobre a formulação de uma política pública, a
elaboração de um projeto de Lei ou a realização de empreendimentos que podem
gerar impactos à cidade, à vida das pessoas e ao meio ambiente.”[6]
Mesmo nessas conversas prevaleceu a recusa
à proposta de matriz curricular apresentada pela SEDUC. Como conta em registro
do SINTEPP, “em todas essas reuniões, professores, estudantes, pais e
responsáveis por alunos, de forma indignada, se posicionaram contrários à
proposta de matriz curricular 2016, apresentada pela SEDUC”[7].
Por fim, se houver algum interesse da
SEDUC em resgatar a democracia, é necessário que se garanta o envolvimento da
sociedade civil, inclusive das organizações de professores e de estudantes e das
universidades formadoras de profissionais da educação no debate sobre essa
questão, que interessa a toda a sociedade paraense.
4.
NA
PROPOSTA DA PARTE DIVERSIFICADA DO CURRÍCULO A SEDUC DESRESPEITA A LEGISLAÇÃO
NACIONAL
A proposta da SEDUC
também desconsidera o “espírito da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional”, no tocante à parte diversificada do currículo do ensino médio e fere
a autonomia das escolas, quando prescreve a oferta dos mesmos componentes
obrigatórios da base nacional comum (Língua Portuguesa e Matemática). Desvirtua,
portanto, o significado da parte diversificada do currículo, definida no artigo
26 da LDB e explicitada, teoricamente, nas DCN da Educação Básica. Esta, em seu
artigo 15, define que a “parte diversificada enriquece e complementa a base
nacional comum, prevendo o estudo das
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
comunidade escolar, perpassando todos
os tempos e espaços curriculares constituintes do ensino fundamental e
médio, independente do ciclo de vida no qual os sujeitos tenham acesso à
escola” (grifos nossos).
Para atingir os seus
intentos, portanto, a SEDUC desconsidera as intencionalidades da Lei e a
autonomia das escolas, em nome da necessidade de desenvolvimento das chamadas
“competências essenciais”.
5.
CONTEXTO
DA PROPOSTA
A proposta apresentada pela SEDUC deve ser
entendida, ainda, em função do contexto em que ele foi gestada, numa conjuntura
estadual marcada pelo corte de verbas para as políticas sociais e de
desrespeito aos movimentos sociais organizados, em particular aos sindicatos.
Marca, também, essa conjuntura, um
conjunto de iniciativas que visam promover a privatização da educação básica, visualizável
nas seguintes ações:
a.
Na contratação do Instituto Unibanco, para
fazer o “assessoramento” e a gestão do ensino médio estadual por meio do
Programa Jovens de Futuro;
b.
Na contratação da Fundação Itaú, para fazer o
“assessoramento” ao ensino fundamental;
c.
Na contratação da Fundação Roberto Marinho, para
assessorar e executar a educação de adultos por meio do Projeto Mundiar,
que introduziu as teleaulas em substituição à EJA e à unidocência;
d.
Na contração do Instituto ABCD, que tem assumido
a execução das ações de formação continuada dos profissionais da
educação;
e.
Na contratação de empresa que deve gerenciar 50
escolas de Ensino Médio;
f.
Na proposta de substituição do SOME pelo
Projeto Mundiar;
g.
Na contratação de cursinhos particulares preparatórios
ao ENEM, e;
h.
Na contratação de cursinho de Inglês, com custo
de R$1.800,00/aluno, para a oferta de aulas de língua inglesa.
Esta conjuntura permite entender as
intencionalidades da SEDUC: reduzir custos, aligeirar a formação escolar e
promover as chamadas “personalidades produtivas”.
O que está em jogo, portanto, considerando
o contexto de disputa de dois projetos de ensino médio no Brasil, é uma
proposta coerente com o projeto de privatização da educação básica.
Considerações
finais
Para finalizar, consideramos que, ainda
que possa ser considerada legal, a proposta da SEDUC fere o espírito da
legislação educacional brasileira, oculta as suas finalidades de diminuição de
gastos, bem como o seu conteúdo conservador e a possibilidade de efeitos
nocivos aos jovens paraenses.
Com essa proposta, a SEDUC retrocede ao
currículo como rol de disciplinas, negando a diversidade e ignorando outras
diversas formas de ofertas de Ensino Médio do Estado, tais como o SOME, a EJA e
o convênio.
A falta de argumentos ou de dados que
sustentem a proposta é patente, tendo sido demonstrado, inclusive, pelo
Ministério Público do Estado do Pará, que em sua Recomendação n. 022016,
dirigida ao CEE, atestou que “não foi demonstrado e muito menos constatado que
tal modificação trará benefício à qualidade do ensino médio”. Então, o que pode
explicar essa medida? A tentativa de racionalização financeira que visa
diminuir os gastos com a educação, mas que, para isso, tende a desqualificar
ainda mais o ensino médio e a precarizar a formação dos jovens paraenses,
distanciando-os da cidadania plena.
A proposta em tela, de redução de carga
horária das escolas públicas estaduais, também tende a diminuir as possibilidades
de disputa igual, no ENEM, dos jovens matriculados nessas escolas, em
comparação com os estudantes da rede privada, que têm a sua carga horária
ampliada, quando organizada para este fim.
O documento também não se articula e nem
considera as discussão em curso sobre a BNCC – Base Nacional Comum Curricular,
o que constitui, no mínimo, uma imprudência, uma vez que a previsão é de que a
nova BNCC seja aprovada no corrente ano, o que exigirá novos estudos e
modificações de ajustamento na organização curricular de toda a educação básica
paraense, remendando o que deveria ser novo.
Mudanças são necessárias na organização da
educação básica paraense, o quadro de precariedade da educação paraense é
notório e revelado em diferentes indicadores educacionais. É necessário
repensar o tempo e o espaço escolar bem como o currículo de toda a educação
básica e, em particular, do ensino médio, mas a partir do reconhecimento da
educação básica como direito subjetivo e não a partir da racionalidade
financeira.
A reformulação da educação deve acontecer
tendo a participação protagonista dos principais sujeitos da escola –
estudantes e profissionais da educação, bem como da sociedade civil e de outros
órgãos do Estado. O que está em curso reproduz o modo como foi feito o Plano
Estadual de Educação, aprovado de modo aligeirado, sem um efetivo debate.
Essa proposta de redução é um contrassenso
às conquistas que o movimento social dos educadores progressistas tem conseguido
desde a década de 1990, quando a perspectiva de educação integral entrou
definitivamente na pauta das políticas educacionais brasileiras dirigidas à
escola básica, não só por meio da defesa da ampliação do tempo de permanência
dos alunos nas escolas, mas também pautando o ensino médio integrado (como
forma e conteúdo), o currículo integral e as práticas interdisciplinares.
A qualificação da educação básica paraense
e, em particular, do ensino médio, requer o enfrentamento de vários desafios,
entre eles está colocada a necessidade de se pensar o currículo não como grade,
mas como conjunto de experiências e relações de formação escolar, que precisa
ser qualificado para produzir relações pedagógicas que promovam cidadãos plenos.
Assim, é necessário, também, assegurar a
ampliação, o enriquecimento e a qualificação do tempo de permanência dos jovens
na escola, ao invés de reduzi-lo e precarizá-lo.
Por fim, é fundamental valorizar os
profissionais da educação e ouvir os protagonistas da educação básica paraense,
ou seja, professores e alunos. Há que se superar a visão equivocada que toma
estes sujeitos e suas organizações como parte dos problemas da educação
pública. Professores e alunos precisam ser reconhecidos como parte da solução.
Felizmente, é importante repetir, não há saídas para a educação pública sem o
envolvimento destes.
Para finalizar, em tempos de governo
golpista e de ameaça da perda de direitos, é importante toda ação coletiva que
reafirme o compromisso com a garantia dos direitos conquistados e com a
maximização e a qualificação da escolarização, e não a sua minimização.
[1] Texto elaborado para apresentação no
Seminário sobre BNCC e Matriz Curricular do Ensino Médio, organizado pelo
SINTEPP – Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará, em
30/06/2016.
[2] Agradeço a leitura e
as contribuições de meus alunos do mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Currículo e Gestão da Escola Básica, da Disciplina Políticas e Práticas em
Ensino Médio e Educação Profissional, 1º semestre de 2016: Aliny Cristina Silva Alves, Élido
Santiago da Silva, Kariny de Cássia Ramos da Silva, Luziane Said Cometti Lelis,
Raimundo Barbosa da Silva Filho, Roseane Sousa Oliveira e Claudia Regina
Bezerra Ferreira.
[3] UNESCO. Reforma da educação Secundária:
Rumo à convergência entre a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de
habilidade. Brasília: Unesco, 2008. In: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001424/142463por.pdf
[4] A proposta apresenta como subsídio um
anexo intitulado “Princípios Orientadores”, no qual constam referências
confusas, incoerentes entre si e com vários trechos plagiados, o que revela a
pressa e o despreparo na sua confecção, além de se constituir em péssimo
exemplo para os alunos da escola básica.
[6] Polis – Instituto de Estudos, Formação
e Assessoria em Políticas Sociais. in: http://www.polis.org.br/uploads/1042/1042.pdf.
[7] SINTEPP. Relatório Sobre Rodas de
Conversa da Matriz Curricular. 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário